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19/11/2019

Governo envia ao Congresso proposta de reforma tributária com imposto sobre consumo

 

Depois de reformular a sua proposta, abandonando a ideia de criar uma nova CPMF, rejeitada pelo presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Economia fechou, enfim, um novo pacote de medidas para mudar o complexo sistema tributário do País. O roteiro traçado pelo ministério prevê o envio da reforma ao Congresso em quatro etapas, que devem se estender até meados de 2020.

Primeira fase - Na primeira fase, a ser deflagrada ainda em novembro, o governo deverá enviar ao Legislativo um projeto de lei que unifica o PIS (Programa de Integração Social) e a Cofins (Contribuição para o Financiamento de Seguridade Social), incidentes sobre produtos e serviços. Na segunda fase, prevista para o início do ano, o plano é encaminhar a mudança no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), que deverá se tornar um tributo seletivo aplicado a bens como cigarros, bebidas e veículos.

Terceira fase - A terceira fase, a ser enviada até o fim do primeiro trimestre, vai se concentrar no Imposto de Renda de pessoas físicas, incluindo o aumento da faixa de isenção e a criação de novo alíquota para os mais ricos, e jurídicas. A última etapa, em meados do ano que vem, será dedicada à desoneração da folha de salários das empresas. “A nossa ideia é não demorar entre uma fase e outra para enviar ao Congresso”, diz o secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto.

Entrevista - Em sua primeira entrevista desde que assumiu o cargo, há pouco mais de um mês, no lugar do economista Marcos Cintra, defenestrado por defender um imposto nos moldes da antiga CPMF, Tostes, de 62 anos, afirmou ao Estado que a proposta do governo é “totalmente aderente” aos projetos de reforma tributária em tramitação no Congresso. Segundo ele, a diretriz do ministro Paulo Guedes diante da crise fiscal é manter a carga tributária atual, na faixa de 35% do Produto Interno Bruto (PIB). No futuro, afirma o secretário, com o crescimento da economia, a meta é reduzir o peso dos impostos sobre os cidadãos e as empresas.

Sistema de calibragem- Para impedir que a carga tributária aumente ou diminua, o governo vai propor um sistema automático de calibragem, que funcionará como uma balança, a ser desencadeado anualmente. Se a carga aumentar, a alíquota será reduzida, e vice-versa. O tributo resultante da fusão do PIS e da Confins terá alíquota de 11% a 12% e receberá o nome de Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Seguirá o modelo de imposto sobre valor agregado (IVA), adotado em 180 países, em que todos os créditos poderão ser usados pelas empresas para diminuir o valor a pagar, o que não acontece hoje.

Desoneração da cesta básica- Dentro do objetivo de aplicar alíquota única a todos os setores e acabar com regimes especiais, o governo deverá rever a desoneração da cesta básica. Em troca, deverá restituir à população de baixa renda gasto com o tributo em um adicional em programas sociais como Bolsa Família. Tostes diz, porém, que alguns setores poderão ter regime diferenciado. “O conceito é cobrar de forma geral, mas estamos avaliando casos que mereçam tratamento especial.” Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista com o novo secretário da Receita Federal.

No início de outubro, quando o sr. assumiu o cargo, havia uma grande expectativa em relação ao envio da proposta de reforma tributária do governo ao Congresso, o que ainda não ocorreu. Em que pé está a reforma tributária?

O fato de ela não ter ido ainda para o Congresso se deve a essas mudanças que aconteceram e à reformulação que o governo teve de fazer na sua proposta. Os estudos referentes à proposta de reforma tributária foram um dos trabalhos que mais consumiram tempo neste primeiro mês. Agora, o trabalho está quase concluído e, até o fim de novembro, o governo vai encaminhar ao Congresso o primeiro pilar dessa proposta, porque entendemos que é mais fácil tratar cada tema separadamente do que tudo ao mesmo tempo.

Que mudanças o governo deverá propor na 1º fase da reforma?

O Brasil tem uma das estruturas de tributação sobre o consumo mais complexas do mundo. Envolve seis tributos em três níveis de governo. No governo federal, há o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o PIS (Programa de Integração Social), a Cofins (Contribuição para o Financiamento de Seguridade Social) e a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico). Nos Estados, o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). Nos municípios, o ISS (Imposto sobre Serviços). É na tributação sobre o consumo que se produz o maior o porcentual de arrecadação. Então, o primeiro pilar dessa proposta será referente justamente à parte que cabe ao governo federal nessa imposição sobre o consumo.

Como será esse novo imposto?

O governo vai propor a fusão do PIS e da Cofins num único tributo sobre o valor agregado incidente sobre todos os bens e serviços, inclusive os intangíveis, como os aplicativos de táxi e o streaming de vídeos e músicas, dentro dos preceitos modernos que um imposto do gênero tem: a tributação universal. Ele vai pegar tudo isso e permitir a utilização ampla de créditos tributários pelas empresas. Hoje, tanto o PIS como a Cofins e o ICMS não permitem a utilização de todos os créditos, o que desvirtua o princípio da tributação sobre valor agregado.

Isso será enviado ao Congresso como uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional)?

Neste caso, será por meio de um projeto de lei.

Qual o nome do novo imposto?

Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

O novo tributo terá só uma alíquota?

Estamos avaliando essa questão. Mas um imposto sobre valor agregado moderno, hoje, tem uma alíquota só, como nas últimas reformas realizadas em outros países. Não só porque isso traz uma simplificação enorme para os contribuintes e para a administração tributária, mas também porque promove a equalização do tratamento tributário.

Qual será a alíquota?

Ela estará entre 11% e 12% do PIS e da Cofins juntos.

Qual será o principal benefício do novo tributo?

Haverá uma simplificação enorme em relação ao que temos hoje do PIS e da Cofins, dois tributos que demandam muita energia das empresas. A apuração será simples com a utilização de todos os créditos tributários. As empresas vão pegar o imposto destacado na nota fiscal do que elas compram e comparar com o imposto destacado na nota fiscal do que elas vendem. A diferença será o imposto devido. Isso vai significar uma redução de custo para o contribuinte, de horas gastas para registro, preparação de declarações e prestação de informações e dos pagamentos.

A carga tributária vai aumentar?

O ministro Paulo Guedes estabeleceu a diretriz de que as reformas na estrutura de tributos não poderão gerar nenhum aumento de carga tributária global. Isso vai constar explicitamente no texto da reforma a ser enviado ao Congresso.

A carga tributária atual vai funcionar, então, como teto?

Ela não poderá ser maior nem menor do que é hoje. Haverá um mecanismo para avaliar o impacto na carga tributária no período de um ano. Se a arrecadação do novo tributo for maior que a taxa de crescimento da economia, ou seja, se houver aumento efetivo de carga, a alíquota será reduzida. Se, ao contrário, a arrecadação for menor que o crescimento, a alíquota subirá, para produzir o mesmo nível de arrecadação que os dois tributos produzem hoje.

Será um mecanismo de calibragem?

Exatamente. O ministro tem uma visão de que, no momento em que País precisa reequilibrar as suas finanças, não é possível reduzir o montante das receitas. Porém, numa visão de longo prazo, a proposta que ele defende é de que haja uma redução da carga tributária. No futuro.

Como a unificação do PIS e da Cofins se coloca em relação às propostas que já estão tramitando no Congresso, na Câmara e no Senado?

Ela é totalmente aderente às propostas que tramitam no Congresso, de criação de um imposto de valor agregado (IVA). Se houver consenso, esse IVA federal poderá se juntar a um IVA estadual e municipal, formando o que se denomina IVA dual – um imposto que é cobrado pelos três níveis de governo, com gestões diferentes, sobre a mesma base de cálculo, e com autonomia para alteração de alíquotas entre os dois grupos. É o modelo usado no Canadá, onde existe um IVA dual em que uma parte do imposto é do governo central e a outra parte é dos governos provinciais. A base de cálculo e as regras são as mesmas, mas a gestão é diferente.

Como é possível integrar a proposta do governo à que está tramitando na Câmara, a PEC 45, baseada no projeto do economista Bernard Appy, que já prevê uma alíquota de 25%?

A proposta que está lá com uma alíquota de 25% é um IVA único, somando tudo, os impostos federais, estaduais e municipais. Se houver consenso, esse imposto de 25% se divide em dois sobre a mesma base, um da União e outro dos Estados e municípios, com gestões diferentes. Um de 12% e outro de 13%, por exemplo.

Com a unificação das alíquotas, vai haver muita choradeira dos setores que hoje são beneficiados por regimes especiais. Como o governo pretende lidar com isso?

Há um anseio hoje para um tratamento mais igualitário na tributação. Se você concede um tratamento especial para algum setor específico, essa redução vai implicar em ajuste na cobrança geral. Ou seja, vai onerar quem não terá o tratamento especial. O conceito é esse.

Todos os regimes especiais vão acabar?

Todos os regimes especiais devem acabar. Hoje, na atual estrutura, de PIS e Cofins, há mais de 100 regimes especiais, que tornam os dois tributos de altíssima complexidade.

Haverá tratamento diferenciado para algum setor?

Isso está sendo estudado.

(O Estado de S.Paulo)